LEON E LIA
OS LADRILHOS TORTOS
UM CONTO:
Valdemir Costa
Eu estava aqui pensando no marasmo da sociedade cristã contemporânea que desvaloriza a família, e esbarra na estruturação financeira pós-moderna capitalista de redes sociais. E como, o amor e a fraternidade são colocados como inalienáveis por essas pessoas, porém, a maioria delas não está nem aí, para ele no seu dia a dia. Se o resultado de suas ações são os causadores do caos reinante na sociedade atual controlada pelo liberalismo de sites de investimentos financeiros e palestras de Coaching feitos papel marchê, de forma direta, ou indireta elas não contribuem em nada para melhoria social e ambiental do nosso planeta. Elas dirigem seus carros, vão para seus trabalhos, consomem mais do que precisam e nem pensam nos outros.
Na verdade, hoje em dia está até pior; a falta de empatia me parece ser a ordem do dia. Ser uma pessoa empática, se preocupar com o outro, ter até um pouco de tolerância é até estranho para os padrões de hoje em dia. Isso se tornou não só piegas, mas se você agir assim, será visto como uma pessoa fora da realidade da sociedade. Grosseiro, bufão, mentiroso e arrogante. Já que os valores estão distorcidos, que precisamos nos mimetizar de microfascistinhas para nos integralizar nos padrões exigidos para uma convivência em sociedade hoje.
Nesse momento, terminei de usar o vaso, pois estava no banheiro, enquanto viajava em uma de minhas divagações diárias, subi minhas calças e continuei sentado. Ainda divagando sobre algumas questões, olhei para os ladrilhos tortos do banheiro, a pia um pouco amarela, a cortina rasgada que separava o banheiro do outro ambiente. Como era um apartamento de dois solteiros, e também muito barato, o que menos importava era a cortina do banheiro. Observei alguns ladrilhos e azulejos que foram colocados após uma possível obra ou conserto e percebi como os ladrilhos estavam um tanto fora do padrão de todos os outros no banheiro, como se tivessem sido colocados de forma grosseira, com pressa e sem o devido profissionalismo. Isso me fez pensar como os ladrilhos de um banheiro pode se assemelhar à vida das pessoas. No começo de nossas vidas conjugais, nós escolhemos nossas casas, seu tamanho, sua localização, seu estilo arquitetônico, sua localização, depois escolhemos o mobiliário e com o mesmo entusiasmo e paciência saímos para escolher os ladrilhos do banheiro e as louças, nesse momento somos extremamente detalhistas com a cor e a forma deles, pois sabemos como são importantes para nossa casa, impactando toda a impressão que teremos sobre ela e o que queremos passar para as pessoas que nos visitam.
Alguns anos depois, talvez alguns filhos, trabalhos, discussões, divórcios, urina de pets, e toda a dificuldade que rege a vida de um adulto socialmente ativo em nossa sociedade moderna atual e anteriormente contemporânea, o quê menos nos importa são os famigerados ladrilhos ou azulejos do banheiro. Durante a construção ou reforma feita para o início da moradia, logo a pós o casamento, se você não guardou alguns para reposição, provavelmente será colocado um parecido ou muitas vezes um que nem é tão parecido assim, apenas para tapar aquele buraco e não deixar as imperfeições dos reparos expostos. Isso acontece com nossa vida muitas vezes. Às vezes, nossa vida só tem alguns buracos oriundo de reparos que vamos fazendo durante a nossa existência, que por falta de tempo ou peças de reposição adequadas vamos tapando com azulejos e ladrilhos de cores, formas ou desenhos diferentes apenas para não deixar transparecer muito desleixo ou descaso.
- Oi Leon!
Nesse momento, sou interrompido em meus pensamentos e divagações pela voz inquisidora da Lia, que está no outro cômodo do apê suburbano, que eu e meu amigo Bob moramos e dividimos a vida, as despesas e o espaço. Você sabe como é, universitário não tem muito dinheiro! Ouvi, por alto, Lia comentou alguma coisa sobre um livro que ela tinha pego na mesinha de cabeceira da minha cama. Mesmo ainda no banheiro, conseguia ouvir as vozes que vinha da sala. Ela estava falando com o Bob e sua filhinha, que se encontrava brincando próximo à cama e à janela. Mas ela falou mais alto e se dirigiu a mim, que estava no outro cômodo. Como ela chegou enquanto eu estava no banheiro, resolvi terminar o que estava fazendo, para depois atendê-la, e acabei me perdendo em pensamentos um tanto quanto filosóficos, como os de Dom Casmurro em relação a sua eterna amada Capitu, ao mesmo tempo, questionando a presença dela naquele momento no meu apartamento. Ainda ouvindo a conversa deles na sala, percebi que Lia comentava sobre um livro e uma situação específica nesse livro.
- Esse livro se parece muito com um que eu li, que se chamava A República.
Ao ouvir Lia falando sobre esse livro, me lembrei de um conto de Machado de Assis que também tinha como tema a república. Esse conto narrava a história de um funcionário público durante o período em que o regime de governo brasileiro, que era a monarquia passou a ser república e como foi feito um trabalho árduo do Estado para modernizar as questões administrativas que antes eram suprimidas pela estrutura de um estado controlado por um rei e uma corte. Nesse momento histórico, que o brasil viveu, a burocracia serviu como um mecanismo tecnológico e funcional para regularizar as funções do governo, e a falta de documentação, que prejudicava e as vezes até atrapalhava o trabalho de algumas seções e repartições públicas brasileiras daquele período. É interessante imaginar como a burocracia naquela época era uma coisa boa e como a falta dela tornou inviável a existência de alguns órgãos públicos. Foi realmente necessário criar processos burocráticos para termos as instituições conceituadas que temos hoje.
Depois dessa reflexão, perguntei:
- É um livro com um conto do Machado de Assis?
Lia respondeu:
- Não, na verdade eu nem conheço o autor do livro. Eu apenas peguei esse aqui e me lembrei desse livro, que já li a muito tempo, que se chama A República, e esse livro me fez pensar sobre os assuntos que vieram à tona na agora na nossa conversa.
- Desculpe não ter retornado antes. Sua mensagem chegou às 5:30 da manhã. Eu estava dormindo, acordei mais cedo e vim para cá. Na verdade, eu já passei em frente ao seu apartamento duas vezes, enquanto estava correndo, mas resolvi não entrar. Então, peguei a Bia após o café e vim conversar, como você tinha pedido na mensagem.
- Mas eu não mandei mensagem para você.
- Como assim?
- Estou muito cansado e um pouco confuso, mas não lembro de ter mandado mensagem para você durante a noite.
- Mandou sim, aqui está a mensagem.
Nesse momento, Lia pegou o celular e me mostrou a mensagem com os seguintes dizeres: "Vem aqui em casa, para conversarmos". Ao ler a mensagem, percebi que o remetente era desconhecido. Isso me deixou intrigado.
Percebendo que não fui eu o autor da mensagem, Lia ficou um pouco inquieta e Bob tentou ajudar na conversação. Eu fiquei admirado e impressionado com o que uma simples mensagem durante a noite causou. Essa série de coincidências me fizeram viajar nas agruras e desventuras vividas pelo personagem Dom casmurro e sua amada Capitu, no livro de Machado de Assis, que geraram desconfiança e o ciúme que foi o pano de fundo para aquela trama. Que era para ser um romance e acabou sendo um drama. toda essa reflexão me fez pensar sobre a situação em que nos encontrávamos naquele momento.
- Pera aí, Lia. Mesmo que não fui eu que te mandei a mensagem, alguém tem intimidade o suficiente para te mandar uma mensagem às 5:30 da manhã.
- Eu sei, Leon, mas o importante é que eu vim aqui te ver.
- Sim, mas ainda temos uma questão pendente: quem te mandou essa mensagem?
- Leon, é sério que você me fará essa pergunta?
- Na verdade, eu já fiz essa pergunta.
- Não importa quem mandou essa mensagem.
- Na verdade, importa sim, pois você se deslocou muito facilmente para encontrar uma pessoa que te mandou uma mensagem no meio da noite.
- Você está me chamando de fácil? E sem falar que essa pessoa é você.
- Sim, mas não fui eu que mandei a mensagem.
Depois dessa explanação inicial, a conversa virou uma discussão. Eu tentava entender o que estava acontecendo e por que Lia recebeu uma mensagem acreditando que era minha. Mesmo esperando por esse momento há muito tempo, fiquei intrigado, fazendo questionamentos muitas vezes sem noção sobre o fato. Aquele tipo de conversa, quando as pessoas estão tentando esconder seus sentimentos, e acaba descambando para o lado das ofensas sem motivo, assuntos desconexos, muitas vezes desconectados da realidade dos fatos ou do momento. Os dois falavam ao mesmo tempo sobre as mesmas coisas, mas mesmo assim não nos entendíamos. Queríamos as mesmas coisas de formas diferentes, falando coisas diferentes da mesma forma, e mesmo assim nenhum entendia o outro. Nesse momento, olhei para Lia e vi que ela estava chorosa, com raiva, irritada. Mas ainda assim continuava linda, e eu estava incomodado com aquela situação, pois mesmo que indiretamente eu era o causador de todo aquele sofrimento. Olhei para o lado e vi que Bob tinha pegado Bia e saído para dar uma volta, pois nossa conversa estava alta, com gestos e brados enraivecidos da Lia e frases de desculpas da minha parte, movimentava-nos pelo apartamento. Enquanto Lia esbravejava alguns questionamentos na minha frente, eu pensava sobre o que aconteceu na nossa relação, e por que não estávamos juntos.
Conheci Lia há alguns meses. Saímos algumas vezes, e eu a adorava. Ela tinha uma conversa muito interessante, era uma mulher extremamente inteligente, empoderada, com opiniões fortes e vanguardistas sobre a maioria dos assuntos. Nos dávamos super. bem. Além disso, era uma mulher extremamente linda e sexy, com uma pele macia, um sorriso profundo, um olhar amoroso e uma sexualidade sutil, que me deixava fora de mim e corpo daqueles de mulheres falsas magras ou quase fofinhas, que quando está vestida com um vestido elegante, mostra toda a sobriedade e serenidade de uma princesa, mas quando tira se assemelha a Jéssica, no filme Uma cilada para Jessica Habitt. Eu nem percebi, mas quando dei por mim, estava beijando a Lia, nesse momento tudo desapareceu, entrei num transe, ficando com a mente extremamente vazia. Imerso numa escuridão que emanava uma calma que só conseguia sentir estando a seu lado.
Só conseguia sentir seus lábios carnudos, sua boca doce, seu corpo feminino com curvas sinuosas, que se alinhavam perfeitamente às imperfeitas retas do meu corpo.
Curvas que foram citadas na conversa anterior quando eu disse que ela tinha as curvas da Rio-Santos. Ela foi enfática e me perguntou se eu estava comparando-a com uma estrada. Eu disse que não, apenas estava fazendo uma analogia entre as curvas da estrada de Santos e suas atitudes.
- Mas que comparação é essa? Ela me questionou.
Eu expliquei que a estrada Rio-Santos tem curvas extremamente perigosas durante o trajeto, mas tem sua peculiaridades e mistérios, além de saímos de um estado com uma diversidade cultural impar e entramos em outro estado com um vida pulsante e energizante. E mesmo sendo uma estrada estranha, cheias de curvas e perigosa, é uma viagem pela rota do sol é uma das coisas mais emocionantes e prazerosas que o ser humano pode experimentar em sua vida.
FIM
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